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sábado, 7 de janeiro de 2017

A tradição popular da Folia de Reis


A tradição popular da Folia de Reis e a solenidade da Epifania do Senhor


Missa da Epifania do Senhor

O padre Edson Pereira de Oliveira, vigário paroquial e reitor do seminário propedêutico São Pio X, desde muito pequeno participou de Companhia de Reis em sua cidade natal, São Tomé das Letras. Desde que iniciou o seu ministério aqui em Campanha, ele organiza a missa da Epifania do Senhor que sempre conta com a participação de todas ou quase todas as Companhias de Reis aqui da cidade. Em um encontro com o equipe do blog da Paróquia Santo Antônio, ele conversou e explicou sobre a devoção aos Reis Magos, contou um pouco da história das Folias de Reis, comentou como é a estrutura de uma Folia. E você pode conferir essa conversa na íntegra logo abaixo.
  

Blog: Pe. Edinho, os reis magos são citados no evangelho de Mateus. Se não me engano é a única menção que temos deles na bíblia. E, em momento algum, Mateus quantifica esses reis, diz apenas que eram magos do oriente. O nosso leitor pode conferir em Mt 2,1. Quando, Pe. Edinho, passou a se falar que eram 3 reis magos e que seus nomes eram Gaspar, Belchior e Baltazar? Conta um pouco pra gente dessa história
Pe. Edson: O evangelho de São Mateus é a fonte desta tradição da visita dos magos vindos do Oriente para visitar o menino Deus. Desde os primeiros séculos do cristianismo, com os padres da Igreja, começou a se falar em três justamente porque o mesmo evangelho cita três presentes deixados por eles: ouro, incenso e mirra. Passaram a ser chamados Reis, por causa da profecia de Isaías e do salmo 72 que proclama: quando o Messias chegar, haverá uma inundação de camelos de todas as partes do mundo em Jerusalém trazendo ouro e incenso e os reis de toda terra irão adorá-lo. A partir desta profecia interpretada pelos padres da igreja, chegou-se à devoção de que os magos eram três e também Reis. Seus nomes Gaspar, Baltazar e Belchior são conhecidos através de um livro apócrifo da bíblia se eu não me engano do evangelho apócrifo de Filipe.
Blog: Teologicamente, como que se deve compreender a presença dos reis magos no episódio do nascimento de Cristo?
Pe. Edson: O Evangelho de São Mateus é um texto escrito para a comunidade judaica. Por isso ele faz questão de mostrar que Jesus cumpriu todas as profecias a respeito do Messias. A presença dos magos, vindos das diversas partes do mundo, mostra que Jesus veio para salvar todos os povos. Desde o seu nascimento, veio para derrubar o muro de separação que existia entre judeu e pagão trazendo a todos a possibilidade da salvação.
Flor de Mirra - árvore espinhosa que pode atingir 5m de altura.
É natura do nordeste da África
Blog: Com relação aos presentes: existe algum significado para o ouro, o incenso e a mirra? E, por falar nisso, Pe. Edinho, o que é a mirra?
Pe. Edson: Os três presentes são ofertados como sinais de três títulos e realidades de Jesus. O Ouro é ofertado ao rei. Jesus Cristo é o rei universal, Rei dos Reis, Senhor dos senhores. O Incenso é um presente ofertado somente a Deus sinal de adoração. Jesus é Deus. Deus nascido em nossa carne. A Mirra é uma planta da qual se extrai um líquido que serve de perfume, muito  usada no tempo de Jesus para aplicar nos corpos dos defuntos para evitar o mal cheiro da decomposição. A mirra é oferecida a Jesus para se lembrar da sua humanidade e como humano provará a morte. Morte esta que nos dará a salvação.
Blog: Os reis magos foram a grande inspiração das Companhias de Reis. É uma tradição muito bonita da cultura popular no Brasil. Acredito que tenha sido herdada de Portugal como grande parte de nossa herança católica. Pe. Edinho, o senhor tem alguma informação de como surgiu esse costume na tradição popular?
Pe. Edson: A nossa tradição das folias de Reis vem sim, de Portugal. E teve como inspiração a jornada dos Santos Reis Magos para visitar o menino Deus. Com a colonização do Brasil esta tradição veio de Portugal. E caiu como uma luva dentro das festas das janeiras [tradição portuguesa que consiste no cantar de músicas pelas ruas por grupos de pessoas anunciando o nascimento de Jesus, desejando um feliz ano novo]. Como no período colonial a escassez de padres era muito grande no país, a Festa de Reis no dia seis de Janeiro, dia da Solenidade da Epifania (manifestação) do Senhor, era o modo como as comunidade que eram organizadas praticamente por leigos. Dia de celebrar o Nascimento do Senhor, com canto, dança, reza do terço e no final um bom jantar completo para todos. Com muita fartura! O povo que era muito pobre comia neste dia o que não comia o ano todo! Desde o século doze, há relatos de que na Península Ibérica havia a visita dos foliões nas casas para esmolar, a fim de, no dia seis de janeiro, fazer uma grande festa para toda comunidade celebrando os Santos Reis e o menino Deus nascido. E vale ressaltar que na solenidade da Epifania do Senhor é proclamado o evangelho que narra a visita dos magos ao Menino Deus. A tradição popular consagrou o dia 6 de janeiro como sendo o dia de Reis, pois nesta data acontece o encerramento das festas do solstício de inverno no hemisfério Norte. E no calendário católico a solenidade da Epifania acontece no domingo entre o dia 2 e 8 de janeiro.
Blog: O senhor já participou de Companhia de Reis na sua terra natal. Como é a formação tradicional de uma companhia? A gente sabe que tem mascarado, palhaço... O que essas figuras representam?
Pe. Edson: Na formação tradicional de uma Companhia de Reis a primeira coisa necessária é uma promessa. Alguém que tenha feito um pedido aos Santos Reis e tenha ou não alcançado essa promessa. É em sinal de agradecimento que a companhia vai sair angariando fundos para celebrar o dia de Reis com uma festa para o povo. A segunda realidade é a bandeira, chamada por alguns, de guia. Nela está gravada uma figura dos Santos Reis adorando o menino Jesus. Ela é sempre benta e é sinal de união, devoção e respeito para todos os componentes da companhia e todos os que a recebem em sua casa. Depois temos os instrumentistas e cantores que vão executar o canto dos Reis e do Hino. Os instrumentos principais são: violão e viola, acordeom e violino, pandeiro e caixa. Os cantores são entre cinco e sete. Mestre é o que entoa o canto, Contramestre o que auxilia o Mestre e as vozes respondem repetindo o canto do Mestre: tipe, contratipe, requinta, primeira fina e em alguns casos a tala. E por fim, os Marungos que também são chamados de Bastião ou Palhaços. A interpretação sobre eles varia de companhia pra companhia. Para, alguns quando levam três integrantes significam os três Reis Magos disfarçados para fugir dos soldados de Herodes, podendo estes tocar na bandeira. Para outros, quando são em maior número, representam os soldados de Herodes disfarçados, querendo encontrar o menino Deus para mata-lo; neste caso eles nunca podem se aproximar da Bandeira estando mascarados. Ainda sobre os Marungos: eles, na companhia de Reis, têm a função de pedir donativos, de fazer perguntas aos donos da casa e de cortar-jaca que é uma dança com acrobacias para alegrar os donos da casa em troca de mais donativos.
Blog: Pe. Edinho, é possível dizer que existe uma espiritualidade própria de Folia de Reis?
Pe. Edson: Existe sim uma espiritualidade própria das folias de Reis e por sinal é muito bela. Eu a chamo de espiritualidade do caminho,  como os Santos Reis fizeram a procura do menino Jesus. Os cantores repetem fazendo a mesma coisa enfrentado sol e chuva batendo de porta em porta procurando pessoas para recebe-los. Em toda casa que encontram acolhimento, encontram Jesus. Em toda casa que encontram um presépio, revivem o sonho dos Santos Reis e vivenciam a humildade do nascimento do Senhor. Vivem da providência, comem o que lhes é servido, chegam a passar fome em determinados casos. Mas como os magos não desistem, o grande objetivo é chegar ao destino. E esse destino é a chegado onde toda comunidade está reunida. Jesus disse que ‘onde dois ou mais estiverem reunidos, eu estarei no meio deles’. Na chegada, encontram Jesus de fato e fazem como ele fez... cantam a história do nascimento de Jesus e partilham seu alimento como ele fez. As lágrimas caem, o sorriso fica estampado nos lábios daqueles que cumpriram sua missão. Acima de tudo estão renovados... Quem leva a sério, e não usa bebida, tem a possibilidade de fazer um grande retiro espiritual de seis ou mais dias ao redor do presépio.
Blog: Com relação aos cantos, o que diz, qual é a temática do cancioneiro da Folia de Reis?
Pe. Edson: São três os cantos principais de uma Companhia de Reis. O canto para pedir, o canto para agradecer e o Hino do Presépio. O canto para pedir é realizado em todas as casas em vista de angariar fundos para a festa do dia de Reis e pedir bênçãos a todos os membros da família (vivos e falecidos). O canto de agradecimento é para agradecer os donativos recebidos naquela residência: seja a esmola, seja o pouso, seja o almoço. O canto do Hino do Presépio é o canto chamado também de Hino dos 25 versos, narrando o nascimento de Jesus, a visita e adoração dos três reis. Em algumas companhias este hino é declamado pelos Marungos ao invés de ser cantado.
Blog: Do tempo em que participava de Companhia de Reis, o que tem mais lembrança? Pe. Edinho, o senhor poderia comentar com a gente como foi esse período?
Pe. Edson: Desde muito pequeno, sempre gostei de Companhias de Reis. A família da minha mãe tem uma companhia que está na atividade há quase cinquenta anos. Aos quatro anos já vestia de marungos. Aos oito, junto com um grupo de colegas, saímos com uma companhia de crianças visitando as casas de São Thomé das Letras. Essa ‘companhia mirim’ saiu todos os anos até o ano de 2008, sempre dando todo o dinheiro arrecadado para a Paróquia São Tomé que é uma paróquia pobre. Depois deste tempo, até 2011, saía na companhia dos meus parentes em Cruzília. Em 2011 fiz meu Trabalho de Conclusão de Curso, o famoso TCC, em Teologia sobre este tema: A Festa de Reis como um evento especial de anúncio da Palavra de Deus e de Partilha. E em 2013, juntamente com a Companhia de Reis do Jair, de Baependi, elaboramos a missa de Reis: uma aproximação entre a Festa popular de Reis e a festa litúrgica da Solenidade da Epifania do Senhor. De meu tempo de cantar Reis, o que mais me recordo é da Piedade e devoção do povo simples que acolhe com amor a companhia. Recordo-me de uma vez quando fomos cantar em uma comunidade rural próximo a Conceição do Rio Verde. Andamos muito debaixo do sol, e, com muito custo, vimos uma casa no meio do nada. Quando chegamos naquela casa, muito simples, o dono se ajoelhou, tomou a bandeira em suas mãos, beijo-a e chorou... E disse que fazia muito tempo que não passava companhia ali. Ele pediu que cantássemos tudo o que tinha direito. Pediu para os Marungos ‘cortar-jaca’. O senhor aparentava ser muito pobre, mas mesmo assim, deu a maior esmola que a nossa companhia ganhou em todos os anos que saiu.
Blog: Encerrando, pe. Edinho, gostaria que deixasse uma mensagem para todos aqueles que participam das Companhias de Reis da cidade.
Missa da Epifania do Senhor
Pe. Edson: A mensagem que eu deixo em primeiro lugar é que Companhia de Reis é muito mais que folclore. Não é bebida, muito menos folia! É um verdadeiro encontro com Deus nos irmãos. Vale a pena incentivar e purificar este movimento tão cristão e tão rico de nossa região. Tem muita fé envolvida. Ela é a causa da saída de uma companhia. Sem a promessa ela fica vazia de sentido. Mas não só! Desejo que os membros das companhias nunca desanimem e, pelo contrário, ensinem os mais novos e os incentivem para não acabar nunca. Torço para que as Companhias que são maus exemplos, porque saem não para rezar mas para beber, se convertam e se purifiquem. Peço aos fiéis que não tenham medo de receber uma boa e fiel Companhia em sua casa. É algo nosso, nossa tradição! Festa de Reis é também, e acima de tudo, oração! Que todos os devotos como os Santos Reis, ao final da jornada, realmente encontrem Jesus e possam oferecer a Ele muito mais que presentes materiais, mas a própria vida! E voltem para suas casas transformados em pessoas melhores, pessoas de Deus e que saibam reconhecer e encontrar Jesus na casa do irmão não só neste tempo, mas em todos os dias do ano!


E só complementando as informações do pe. Edinho. A solenidade da Epifania do Senhor é considerada o Natal dos cristãos ortodoxos, também chamados de cristãos do oriente. Eles celebram o Natal de Jesus nesta data, pois foi quando o Menino Deus manifestou-se a todo mundo, na representação dos Reis Magos. No domingo, dia 8 de janeiro, a paróquia Santo Antônio irá celebrar a missa da Epifania do Senhor com a presença das Folias de Reis de Campanha. A celebração será às 10h na Catedral.



Entrevista e Edição: Flávio Maia - PASCOM/Campanha




2 comentários:

  1. Parabéns ao Pe. Edson pela simples e detalhada explicação sobre o tema. Quanta coisa bonita e quanto simbolismo religioso têm nas nossas tradições folclóricas. E que bom que haja um resgate disso tudo! Prof. Vicente Baldo - Secretário Municipal de Educação de Campanha.

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